"Saiu do carro, deixou a porta aberta. De dentro, o
rádio repetia os Rolling Stones e Angie
era de novo a banda sonora dos seus momentos.
Margarida acendeu um cigarro, com o indicador da mão
direita enrolou o cabelo, à altura do ombro. Algumas coisas não mudam, o gesto
das mãos finas de Margarida, os longos dedos a enrolar o cabelo, tinham o mesmo
glamour de sempre.
Margarida continuava bela, elegante, embora mais
mirrada, marcada pela vida. Os socalcos do seu Douro, para além de terem um
lugar na sua alma, também ganhavam terreno, em forma de rugas, na pele da sua
cara.
Já não era a miúda que tinha chegado ali com um monte
de ilusões. Por ela havia passado uma vida, muitas vidas. Hoje, no sentido
literal da palavra, sabia muito bem o que queria.
Decidida como sempre quis ser reconhecida, pegou no
envelope e começou por descolar o lado esquerdo da aba.
Parou, afinal até nas suas decisões estava menos
intempestiva. Mais moderada, sentou-se numa pedra ao lado da capela de São
Salvador do Mundo e acendeu mais um cigarro no que estava a terminar."
Excerto do meu próximo romance a ser publicado brevemente.